Até a página 10

Como diz o jargão político, os Estados Unidos desautorizaram o alardeado acordo que, depois de horas e mais horas perdidas de negociação, Brasil, Irã e Turquia vieram a público anunciar na última segunda-feira e que seria, segundo os entusiasmados mediadores turcos e brasileiros, a solução para as rusgas entre o Irã, com seu programa nuclear, e os poderosos do Ocidente.

Com ele, os pobres e tolos negociadores acreditavam piamente que não apenas as sanções econômicas pensadas pelos Estados Unidos contra o Irã seriam deixadas na gaveta mas também, e mais importante para eles, que Brasil e Turquia ganhavam nova projeção internacional, revestidos da força necessária para passarem a protagonizar a cena mundial.

Pois no dia seguinte veio a bofetada yankee. Os Estados Unidos abriram a gaveta e propuseram suas sanções ao Conselho de Segurança da ONU. As “potências” emergentes, como gostam de ser chamados Brasil e Turquia, tiveram de sentir o gosto amargo de sua total irrelevância mundial.

A choradeira dos nanicos tupiniquins foi enorme. O choro dos que acreditam em fadas, duendes, mula-sem-cabeça e saci-pererê.

Ora, o gesto estadunidense não é inesperado para qualquer um que tenha o mínimo senso analítico em relação à posição central e absoluta que os Estados Unidos dão a si mesmos quando o assunto é o mundo. As crianças querem brincar de gente grande? “Ok, eu deixo vocês darem uma volta com o meu carro, tá bom, meninos?”, responde o titio Sam. As crianças eufóricas acreditam então que vão poder sair à noite, aprontar todas por aí e voltar quando bem entenderem. Tomam o seu banho, preparam-se para a balada de suas vidas e, na hora do vamos ver, titio Sam dá a elas o controle do Playstation para brincarem de carrinho de corrida. Afinal, ele não prometeu que elas andariam num carro de verdade.

Foi mais ou menos o que fizeram os Estados Unidos ao “incentivarem” a conversa da diplomacia turco-brasileira com os aiatolás. Eles não tinham o que perder com ela. Se desse errado, seria a prova da incompetência alheia. Se ameaçasse dar certo, eles entravam, como entraram, em cena para mostrar quem manda no galinheiro.

É importante ficar claro que essa posição não é singular aos Estados Unidos, mas comum a todos os países que, em qualquer época, estiveram em posição de liderança global. Quem está no trono não quer sair dele e não vai deixar que uns pequenos metidos a besta venham cantar de galo em suas bandas. Tomará atitudes para manter o clube fechado em torno de si e será apoiado nessas atitudes por todos aqueles que de alguma forma fazem parte do clube e não querem correr o risco de perder o seu lugar para “emergentes”.

Quer mandar um monte dos seus à morte em alguma missão de paz numa ilhota da Ásia ou da América Central? Quer oferecer gás gratuito a um vizinho que toma as empresas de seu próprio país? Quer doar milhões de dólares a um país devastado por uma catástrofe, tornando-se o garoto mais solidário do planeta e posando de bonitinho? Pode fazer tudo isso, pode até mesmo ser presidente da ONU ou do Banco Mundial, mas esteja certo de que nada disso vai alterar sua posição no campo de batalha. O general vai apenas rir de sua inocência, que não o afeta, ou até o ajuda, sem ter nada em troca. E se quiser ir além, o Dom Quixote vai ficar com cara de bobo.

Um país só sai da posição de coadjuvante para a de potência mundial sob alguma drástica e traumática transformação político-econômica, em geral trazida à baila em meio e após um conflito bélico. Ninguém trilha esse caminho sendo bonzinho. Essa é a História. Quem a nega, além de um romântico otimista, é ignorante.