Tristes eleições, o Império da Esquerda Tutelar

Tomando por base a conceituação de direita e esquerda, no campo econômico-social, bem como a de autoritarismo, tutela e liberdade, no civil-político, ambas trabalhadas na postagem anterior, é hora de explicar o porquê de minha tristeza nas atuais eleições presidenciais.

Desde o retorno das eleições diretas para o principal cargo executivo, apenas em 2002 o quadro eleitoral foi tão sombrio quanto o atual. Sombrio não pela qualidade dos candidatos envolvidos – não vou entrar nessa questão – mas pelas linhas ideológicas representadas por eles. Pronunciava-se lá o Império da Esquerda Tutelar a que se assiste agora.

É verdade que o quadro em 2002 parecia ainda mais drástico: mesmo entre os nanicos, ninguém representava a direita. Porém, hoje, apesar de Eymael poder ser visto como esse representante, o peso do democrata-cristão é tão diminuto que sua presença ou ausência tem simplesmente nenhum efeito real ou prático.

Falta arejamento. O arejamento de ideias que permite o livre pensar dos eleitores. Há uma falsa sensação de liberdade de escolha entre alternativas que englobam apenas metade daquelas que seriam as reais possibilidades. Não à toa se esvaziaram os confrontos de ideias, de posicionamentos. Não é questão de estratégia nem de inocuidade dos candidatos. Os analistas que bradam contra a falta de debates propositivos precisam perceber que é um contrasenso pensar em debates frutíferos entre pessoas que pensam, basicamente, da mesma forma. Sai de cena o debate. Entra o pensamento único, apenas em tonalidades variáveis.

Dilma, Serra e Marina têm todos claras convicções que privilegiam a equidade social tutelada e jogam para escanteio o mérito e a liberdade individuais. Nenhum quer de verdade, para ficar num exemplo, uma reforma tributária que diminua a carga sobre as costas do cidadão, porque isso enfraqueceria a capacidade de ação do Estado. E dessa capacidade eles não abrem mão. Entre os semelhantes, Dilma está mais à esquerda, seguida por Serra e Marina, marginalmente menos interventivos, em posições que se balançam e contrabalançam dependendo do quesito em análise.

Mesmo Plínio, o radical da vez, não pensa essencialmente diferente de Dilma, Serra ou Marina. Quer mais e mais Estado, mas de uma maneira tresloucada e extremada que se afigura autoritária e fere mortalmente as liberdades civis, nomeadamente as de ação econômica e de propriedade privada.

Não que os outros sejam liberais civil-políticos. Decididamente, não são. Os três gravitam em torno de uma tutela cada vez maior ao cidadão que, se não chega ainda ao autoritarismo pleno, tem se distanciado a passos nada desprezíveis da essência da liberdade. Estão aí a lei antifumo, a lei seca draconiana, a “Ficha Limpa” e tantos outros projetos tutelares abraçados pela trinca petista-tucana-verde.

Eis, pois, o Império da Esquerda Tutelar. E carece de fundamento a alegação de que a triste falta de opções atual é apenas uma resposta a anseios consensuais da sociedade. O referendo do desarmamento, em que a maioria da população decidiu pela antitutela (o não desarmamento) a despeito da forte campanha pública a favor da tutela (o desarmamento) é a grande prova dos últimos tempos.

Um breve retorno ao passado explica melhor o atual cenário.

1989, os brasileiros pela primeira vez em décadas podem escolher diretamente o presidente e colocam nas oito primeiras posições candidatos que representavam todas as combinações possíveis entre esquerda, direita, autoritarismo, tutela e liberdade (Collor, Lula, Brizola, Covas, Maluf, Afif, Ulysses, Freire). O excesso de candidatos, natural para o momento, deveria tender, com o passar dos anos, à consolidação em um número menor, mas também representativo das diferentes vertentes.

Mas houve um problema. Collor, o vencedor, então identificado com a direita liberal, fez um governo desastrado e corrupto. Saiu pela porta dos fundos, defenestrado. Com ele, saiu junto, e estigmatizada, a direita liberal, pagando um preço que não dizia respeito a ela.

A partir daí, todos passaram a fugir do rótulo de liberais de direita como foge o diabo da cruz. Mesmo políticas marcadamente de direita, como as privatizações, eram vendidas como se de esquerda fossem e criticadas, ainda que efeitos claramente positivos tivessem.

Ora, se os próprios integrantes do clube passaram a rejeitá-lo, o que deveriam fazer os opositores? Nadar de braçadas. Foi o que fizeram, abastecidos pelo exército de intelectualoides universitários. Alguns efeitos econômicos positivos de curto prazo conseguidos por políticas de esquerda, ajudadas por um quadro externo favorável e ainda carentes de passarem pela prova do longo prazo, foram o ingrediente final do prato insosso que se tem para amanhã.

Houve a consolidação. Mas uma consolidação capenga. Uma consolidação-saci, que fundou o Império da Esquerda Tutelar, extremamente prejudicial ao esclarecimento e à livre escolha de fato (e não apenas de direito) da sociedade.

Felizmente, a política, assim como a vida, faz-se de ciclos. Cedo ou tarde, as possibilidades voltarão a ser abrangentes. Quem sabe já em 2014, as opções para a presidência saiam da massinha de modelar para o concreto. É pedir demais?…

Direita e esquerda: um ensaio

Era para esta postagem falar das eleições de amanhã. Mas não há como fazer qualquer análise política sem utilizar os famigerados termos “direita” e “esquerda”. Achei por bem, pois, antes de entrar na seara eleitoral, reservar algumas linhas para conceituar direita e esquerda de modo mais preciso do que estamos acostumados na usual divisão maniqueísta, que concebe a esquerda como “o bem” e a direita como “o mal”.

Para se chegar ao que seria a direita e a esquerda, é fundamental ter em mente dois campos: civil-político e econômico-social. Poderia desmembrar esses dois campos em quatro, algo totalmente dispensável aqui. Vamos a uma rápida definição de ambos.

O civil-político é onde se encontram as liberdades fundamentais do cidadão. Liberdade de ir e vir, religiosa, sexual e todas as demais que são direitos individuais desde que não interfiram na liberdade alheia. Ainda neste campo está a liberdade política, de posicionamento e escolha dos governantes.

O campo econômico-social é o das atividades que envolvem transações valorativas, monetárias ou não, entre empresas e/ou pessoas. Direta ou indiretamente, todas as atividades econômicas afetam o bem-estar dos diferentes grupos sociais, daí porque não é necessária nem razoável uma separação formal entre os aspectos econômicos e sociais.

A diferença lógica mais fundamental entre os campos se relaciona aos direitos. No civil-político, o direito de um não interfere, a princípio, no direito do outro – a liberdade não é, ou não deveria ser, excludente. Em via oposta, no econômico-social necessariamente o direito de um afeta o direito do outro – não há geração espontânea de recursos, a riqueza de um não poderá ser a riqueza do outro.

Definidos os campos, voltemos à direita e à esquerda. O palco civil-político é de pouquíssima utilidade para diferenciá-las e aqui está o grande erro conceitual que tem se alastrado pela sociedade brasileira, em que a memória de uma ditadura de direita e um bando de intelectualoides desonestos de esquerda conspiram para fazer crer que apenas a esquerda seria defensora dos direitos civil-políticos. Puro engodo. Tanto a direita como a esquerda podem ser autoritárias, tutelares ou liberais na seara civil-política.

Conforme caminham para o extremismo, ambas flertam mais e mais com a tutela do cidadão, o autoritarismo e se distanciam das liberdades civis e políticas. Existiu o autoritarismo brasileiro e de tantos outros países latino-americanos, de direita, assim como existe ou existiu o autoritarismo cubano, soviético, chinês e do leste europeu, de esquerda. Portanto, no campo civil-político, a diferenciação adequada não é entre esquerda e direita, mas, pensando numa linha contínua, entre autoritários, tutelares e liberais.

Resta o campo econômico-social para buscar as diferenças. Nele as encontramos. Basicamente, a direita pode ser identificada com uma visão que privilegia o mérito individual enquanto a esquerda se preocupa com a equidade social. Se a direita pode ser criticada por dar pouca importância às condições históricas que levaram ao mérito de uns e outros, propagando a desigualdade, a esquerda fica vulnerável justamente por menosprezar o mérito, muitas vezes conquistado a duras penas, propiciando uma injusta e desestimulante igualdade.

Vias gerais, a direita parte de suas convicções para defender uma menor interferência estatal na economia e na sociedade, algo que se pode perceber, por exemplo, numa pequena regulação sobre os mercados e em cargas tributárias relativamente reduzidas, o que minora a capacidade de prestação de serviços públicos e de transferências de renda entre a sociedade. A direita se identifica, portanto, com a liberdade econômica.

A esquerda, também por suas convicções, associa-se a políticas estatais mais interventivas. Mantendo os mesmos exemplos, a regulação sobre os mercados é maior e a carga tributária mais pesada, possibilitando a atuação do Estado em mais setores, com uma maior prestação direta de serviços e também a redistribuição de recursos entre os diferentes grupos sociais.

Os cenários descritos assumem uma posição responsável por qualquer das vertentes, no sentido de que ambas fazem apenas aquilo que seus recursos permitem. Na realidade, isso nem sempre ocorre. Tanto a esquerda quanto a direita podem ser demagógicas e populistas, conjugando um irresponsável casal representado por baixos recursos e altos gastos. Foi o que prevaleceu no Brasil até a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Quaisquer que sejam as preferências em relação a direita e esquerda, é fundamental para o progresso e o esclarecimento político de uma sociedade que ambas sempre estejam presentes, defendendo seus pontos de vista, colocando o dedo nas feridas da outra parte, evitando a alienação geral.

É por isso que estou tão triste com as eleições de amanhã. Fica para a próxima postagem.

Dunga e a esquerda na Copa

Nos últimos dias, o assunto mais buxixado quando se fala em Seleção Brasileira é a celeuma envolvendo Dunga e Rede Globo, que se tornou mais visível após as grosserias do selecionador a Alex Escobar, competente jornalista da emissora, transmitidas ao vivo para o mundo todo.

Os palavrões, felizmente ouvidos em baixo e ruim som, foram mais uma mostra do nível educacional de uma pessoa que muito dificilmente consegue concluir uma frase sem cometer alguns atentados à língua portuguesa. Mas não é este o ponto. Afinal, a educação do brasileiro médio – Dunga não está acima dele – é realmente sofrível.

O buraco é mais embaixo. Está no caráter político-ideológico que alguns, na verdade e lamentavelmente muitos, rasos de pensamento estão tentando dar ao caso. Dunga, para eles, transformou-se num mártir, no pobre oprimido que, mesmo massacrado pelo sistema, levanta sua corajosa voz e encara de frente a Platinada Toda Poderosa. Uma espécie de Hugo Chavez lutando contra o imperialismo dos Estados Unidos. Um cara de esquerda, como certamente se auto-intitulam os que estão levantando essa bola murcha, lutando contra a direita, o mal encarnado.

Já tem até email rondando caixas postais de todo o país conclamando os brasileiros, pobres coitados e também oprimidos – com acesso diuturno à Internet, diga-se – a mostrarem seu apoio ao libertário Dunga e, num gesto de solidariedade, rebelarem-se contra a Globo nesta sexta-feira, assistindo ao jogo do Brasil contra Portugal em outro canal.

Lembram, em tom de protesto, que o demônio de prata já colocou Collor no poder – lenda absolutamente mentirosa criada pelo mesmo tipo de gente – e glorificam aquele que finalmente colocou o gigante de joelhos.

Quantas coisas fora de lugar! Tentemos ajeitá-las um pouco. Dunga tem um grande mérito em sua passagem pela Seleção: tratar todos os veículos de imprensa de forma igual, sem conceder à Globo os privilégios que sempre teve. Isso não dá a ele, entretanto, o direito de maltratar pessoas que estão apenas realizando o seu trabalho, agredindo de lambuja os nossos ouvidos, nem retira da Globo o direito, na verdade o dever, de tentar buscar os maiores privilégios possíveis em sua cobertura. Seja com entrevistas exclusivas, seja em viagens junto dos jogadores, seja do jeito que for. Se conseguir, ótimo pra ela. Se não, pelo menos fez sua parte, tentando. Não apenas ela, mas toda a imprensa deve fazer isso.

Essa forma de se ver no papel de vítima e se utilizar desse papel fictício para justificar reações gratuitamente violentas só não espanta mais porque não surpreende. É costume na “romântica e benevolente” esquerda. Para lutar contra a ditadura e suas abomináveis mortes, saia matando. Para lutar contra o malévolo capitalismo, prenda os seus habitantes numa redoma de miséria. Para lutar contra o poder de um canal de comunicação, seja mal-educado, xingue os seus integrantes.

Dunga é o comunista do futebol. Eles se merecem. E viva a esclarecida esquerda!